22 de junho de 2008

silence, night and dreams






e depois o tempo esmagou-me os dedos.

perfaço o umbigo da noite como se esquecesse.















pouso as mãos no chão.


troco os sinais despejados pelo espanto onde a palavra pernoita, incólume.













_________________________________________________e refaço as linhas do perfil.



















____________não conheço o pássaro que me bica a sombra quando perco o contacto com o ar.












trinco a língua no impulso da memória.
rompo o padrão, sem aviso.






irregular, esfuma-se o fôlego cansado desta tepidez que se espeta no tecto. irregular.







lembro-me de tanto que a íris desfaz a mentira, a tirania cega do hábito da justificação só porque assim fico mais um segundo.









___________________________não gosto deste silêncio que des-habito no resvalo da cintura que não deixo.
______________________________arqueio a coluna na esquina do olhar que não percebo.





onde raio deixei a pele?









entro na escuridão gémea das pálpebras que fecho por um instante desapertado, embrião de saudade calada.










desconheço. incomodo.
_______________rasgo a cereja-choque do incompreensível lábio. inquietação.

aqui não há vento quando apago os passos no rascunho do caminho. ____________________






pinto acre o sargaço em que a mão apoia a face e a omoplata se levanta erguendo um suspiro e mais um desencanto.
_____________________________________________________vou ter de esquecer.






um arrepio imaginado que devolvo ao sal que lambo.
mesmo que segure o coração nas mãos, estatela-se no chão à medida do não querer.

















há noites desvastadas como esta. deixo. calo. esqueço.
vou demorar-me voluntariamente nesta fronteira.







porque ainda será o sangue da cerejeira este meu corpo.
num olhar imenso de sonho.







Já não te amo como no primeiro dia. Já não te
amo.


No entanto continuam em volta dos teus
olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o
olhar e esta existência que te anima no sono.


Continua também esta exaltação que me vem
por não saber o que fazer disto, deste conheci-
mento que tenho dos teus olhos, das imensidades
que os teus olhos exploram, por não saber o que
escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar
da sua insignificância original. Disso, sei apenas o
seguinte: que já não posso fazer nada a não ser
suportar esta exaltação a propósito de alguém
que estava ali, de alguém que não sabia que vivia
e de quem eu não sabia que vivia, de alguém que
não sabia viver dizia-te eu, e de mim que o sabia
e que não sabia que fazer disso, desse conhe-
cimento da vida que ele vivia, e que também não
sabia que fazer de mim.


Dizem que o tempo do pleno verão já se anun-
cia, é possível. Não sei. Que as rosas já ali estão,
no fundo do parque. Que às vezes não são vistas
por ninguém durante o tempo da sua vida e que
ficam assim ali no seu perfume esquartejadas
durante alguns dias e que depois se deixam cair.
Nunca vistas por esta mulher solitária que
esquece. Nunca vistas por mim, morrem.


Estou num amor entre viver e morrer. É atra-
vés desta ausência do teu sentimento que reen-
contro a tua qualidade, essa, precisamente, de me
agradares. Penso que apenas me interessa que a
vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvi-
mento da tua vida deixa-me indiferente, não
pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-
-me a morte mais próxima, mais admissível, sim,
desejável. É assim que permaneces face a mim, na
doçura, numa provocação constante, inocente,
impenetrável.


E tu não sabes.








marguerite duras
textos secretos
trad. tereza coelho
quetzal
1999








(imagens: haleh bryan)
(música: zbigneiv preisner, silence, night and dreams)