no princípio o terror de não saber se a vida chegava.
pouco se ouve.
________________________o sentir, o gesto desafinado como a voz que deixou de se ouvir
seca o sal.
____________________________________alucino no instante da febre
______________________visceral
consigo ouvir-me respirar debaixo de água
___________corpo escafandro que se desliga do real a cada grama
faço perguntas como quem respira o que se cala.
a pele é um papiro que se descola, cansada talvez de sobrevoar o tempo nesta carne
indeciso é o tempo
não me lembro onde guardei o riso que se desfez.
ganham bolor as paredes da casa que me prende e me separa da rua, dos outros, do movimento que as forças me recusam
bem sei que o mar não me vai entrar pela janela e as algas se colam à margem escorredia do instante.
________________________________desistem-me as palavras de me saírem da boca
por agora bastava-me que soubesses.
dissolver o recado com o toque.
o sangue deixa de afluir à cara, deixa-se de sentir.
depois deixa-se de andar, como se as pernas se transformassem em fogo
o tratamento torna-se tóxico, dano dos nervos
perde-se a sensibilidade
________________________porque o corpo nos prende. por fios. ao que é o medo.
do desespero do início não é já o vidro moído que se sente ao respirar.
(escritos soltos no percorrer dos meses de dias difíceis, em que a palavra se dividia entre o sentir e a espera. agora, que o corpo lentamente se reconcilia com os dias e a vida se abraça a cada hora, regressada, um infinito sentir de gratidão aos que me foram fôlego e aconchego. mesmo sem o saberem.)
(imagens: Desiree Dolron, B. Berenika, Dino Vals)