24 de março de 2009

dispersos do medo. porque o dia é hoje.








no princípio o terror de não saber se a vida chegava.





_____________________________porque o corpo nos prende por fios ao que foi o medo.





nada se escreve.
pouco se ouve.

___________________________





filtra-se o amargo como o chumbo da roupa no corpo que desaparece sob a pele.



e a pele cai.







caio na tristeza mais funda sem que dela faça o meu dia. é dos químicos, dizem.




observa-se o mundo, as ruas, as gentes que passam, entre as janelas escurecidas dos olhos e o cansaço que nos prende ao vão da cama, à esquina da dor, ao gotejar prolongado da doença.







________________________o sentir, o gesto desafinado como a voz que deixou de se ouvir








depois os olhos enchem-se de uma auréola roxa.
seca o sal.




n a d a f a z s e n t i d o .

___________________________________emudeço com o traço do destino.












omite-se.


cala-se o estigma dos que não se aproximam pelo estar sempre tudo bem.





____________________________________alucino no instante da febre
______________________visceral






consigo ouvir-me respirar debaixo de água



___________corpo escafandro que se desliga do real a cada grama





faço perguntas como quem respira o que se cala.








a pele é um papiro que se descola, cansada talvez de sobrevoar o tempo nesta carne




lavo as antigas cinzas ancorando a água nos olhos
indeciso é o tempo

não me lembro onde guardei o riso que se desfez.






ganham bolor as paredes da casa que me prende e me separa da rua, dos outros, do movimento que as forças me recusam




bem sei que o mar não me vai entrar pela janela e as algas se colam à margem escorredia do instante.




________________________________desistem-me as palavras de me saírem da boca




por agora bastava-me que soubesses.
dissolver o recado com o toque.








o sangue deixa de afluir à cara, deixa-se de sentir.



depois deixa-se de andar, como se as pernas se transformassem em fogo
o tratamento torna-se tóxico, dano dos nervos



perde-se a sensibilidade


o cocktail químico.




________________________porque o corpo nos prende. por fios. ao que é o medo.

____________porque a boca se tem de calar.


porque as máscaras se usam para proteger os outros. ________________________





o tempo passa assim devagar, sem rumo que não o recompor que se adivinha longo.




do desespero do início não é já o vidro moído que se sente ao respirar.



mas.


porque hoje se sentiram as forças a derreter nos pulmões que não puderam respirar como antes.
e porque hoje me obrigo a lutar com uma força que é a minha.

________________________________________ retiro as camélias

e rasgo as nuvens para que o céu se torne límpido.



_____________

(escritos soltos no percorrer dos meses de dias difíceis, em que a palavra se dividia entre o sentir e a espera. agora, que o corpo lentamente se reconcilia com os dias e a vida se abraça a cada hora, regressada, um infinito sentir de gratidão aos que me foram fôlego e aconchego. mesmo sem o saberem.)

(imagens: Desiree Dolron, B. Berenika, Dino Vals)





7 de fevereiro de 2009

AMJAD

sub_

_solo



sob____


_______________a__________



_____pele







la
__________________________la
______________________________________________la__________


___________________________________________________________human____________


______________________________________________________________________________steps.

________________________________________________________

11 de dezembro de 2008

Manoel de Oliveira

"Anikibébé.

Anikibóbó.


Passarinho.


Tótó.

Berimbau.


Cavaquinho.


Salomão.

Sacristão.


Tu és polícia.

Tu és ladrão"







"Temos a sensação de que as coisas (os objectos de arte) vão ficar para sempre. Mas, os filmes estragam-se. Tudo se estraga. Esta ideia é terrível. Tudo acaba por acabar. Até o mundo”.

Manoel de Oliveira



Manoel de Oliveira - 100 anos

22 de junho de 2008

silence, night and dreams






e depois o tempo esmagou-me os dedos.

perfaço o umbigo da noite como se esquecesse.















pouso as mãos no chão.


troco os sinais despejados pelo espanto onde a palavra pernoita, incólume.













_________________________________________________e refaço as linhas do perfil.



















____________não conheço o pássaro que me bica a sombra quando perco o contacto com o ar.












trinco a língua no impulso da memória.
rompo o padrão, sem aviso.






irregular, esfuma-se o fôlego cansado desta tepidez que se espeta no tecto. irregular.







lembro-me de tanto que a íris desfaz a mentira, a tirania cega do hábito da justificação só porque assim fico mais um segundo.









___________________________não gosto deste silêncio que des-habito no resvalo da cintura que não deixo.
______________________________arqueio a coluna na esquina do olhar que não percebo.





onde raio deixei a pele?









entro na escuridão gémea das pálpebras que fecho por um instante desapertado, embrião de saudade calada.










desconheço. incomodo.
_______________rasgo a cereja-choque do incompreensível lábio. inquietação.

aqui não há vento quando apago os passos no rascunho do caminho. ____________________






pinto acre o sargaço em que a mão apoia a face e a omoplata se levanta erguendo um suspiro e mais um desencanto.
_____________________________________________________vou ter de esquecer.






um arrepio imaginado que devolvo ao sal que lambo.
mesmo que segure o coração nas mãos, estatela-se no chão à medida do não querer.

















há noites desvastadas como esta. deixo. calo. esqueço.
vou demorar-me voluntariamente nesta fronteira.







porque ainda será o sangue da cerejeira este meu corpo.
num olhar imenso de sonho.







Já não te amo como no primeiro dia. Já não te
amo.


No entanto continuam em volta dos teus
olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o
olhar e esta existência que te anima no sono.


Continua também esta exaltação que me vem
por não saber o que fazer disto, deste conheci-
mento que tenho dos teus olhos, das imensidades
que os teus olhos exploram, por não saber o que
escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar
da sua insignificância original. Disso, sei apenas o
seguinte: que já não posso fazer nada a não ser
suportar esta exaltação a propósito de alguém
que estava ali, de alguém que não sabia que vivia
e de quem eu não sabia que vivia, de alguém que
não sabia viver dizia-te eu, e de mim que o sabia
e que não sabia que fazer disso, desse conhe-
cimento da vida que ele vivia, e que também não
sabia que fazer de mim.


Dizem que o tempo do pleno verão já se anun-
cia, é possível. Não sei. Que as rosas já ali estão,
no fundo do parque. Que às vezes não são vistas
por ninguém durante o tempo da sua vida e que
ficam assim ali no seu perfume esquartejadas
durante alguns dias e que depois se deixam cair.
Nunca vistas por esta mulher solitária que
esquece. Nunca vistas por mim, morrem.


Estou num amor entre viver e morrer. É atra-
vés desta ausência do teu sentimento que reen-
contro a tua qualidade, essa, precisamente, de me
agradares. Penso que apenas me interessa que a
vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvi-
mento da tua vida deixa-me indiferente, não
pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-
-me a morte mais próxima, mais admissível, sim,
desejável. É assim que permaneces face a mim, na
doçura, numa provocação constante, inocente,
impenetrável.


E tu não sabes.








marguerite duras
textos secretos
trad. tereza coelho
quetzal
1999








(imagens: haleh bryan)
(música: zbigneiv preisner, silence, night and dreams)

11 de maio de 2008

pele








por vezes, à noitinha, o silêncio tem apenas um som possível.







(imagem: klimt, moving water)

10 de maio de 2008

masurca fogo




pernoito à beirinha da memória que te apaga.

inflamo as asas para que no rasgão volátil se apague o céu.

e mergulho, inversa, no momento do mar.






(masurca fogo, sem palavras para o revisitar da pina bausch ontem no ccb, pela intensidade, beleza, magnitude, consistência que desde pequena aprendi a olhar pelo sentir.)

25 de abril de 2008

paquitães e azinheiras. sempre!



porque a poesia, a palavra, a música. sempre.

porque o sentir liberdade, fraternidade, paz. sempre.

porque se deve aos que nos foram tanto dentro. aos que ainda nos são diariamente.

porque se sente a falta dos que já não.

porque continuaremos, a cada minuto a transmitir e a construir a liberdade em que nascemos.

à sempre saudade da natércia.

à sempre saudade do zeca.





"- havia uns polícias que eram assim muito maus e não deixavam as pessoas pensar nem cantar nem andar, tinham de andar todas assim com a cabeça virada para baixo, assim, estás a ver, mãe?... e não se podia crescer.






e depois levavam as pessoas boas para a prisão e as pessoas eram amigas e depois faziam-lhes muito mal e às vezes até ficava sangue no chão. e havia um senhor que mandava - como é que se chamava?...





- salazar.

- sim, ele mandava nas pessoas todas e dizia para fazerem mal. e depois um dia os outros senhores puseram cravos nas pistolas...

- e quem eram esses senhores?




- eram os paquitães de abril, não sabes, mãe?!!!... e as pessoas vinham cantar e gritar porque já estavam todos bem e já não eram pobrezinhos e era a liberdade! e havia a música do zeca. (...)







fui eu que contei a história do 25 de abril aos amigos na escola! eu já sei! mãe, o que é uma azinheira?..." (mariana, 3 anos)




para que a manhã seja sempre clara a todos os filhos da magrugada.







Esta é a madrugada que eu esperava
O dia inicial inteiro e limpo
Onde emergimos da noite e do silêncio
E livres habitamos a substância do tempo



O nome das coisas, 1977
In Sophia de Mello Breyner Andresen, Obra Poética III

14 de março de 2008

33





respiro fundo no instante em que a madeira canta o ranger dos passos e o atordoar da visão no espelho do mar.

sussura a maré para que me cale.


para que ouça o chamamento de mim neste lugar, neste ventre em que sempre fui, por mais que em partilha o tenha desnudado.



ouço o corpo que repete o gesto lento de gaivota a nascer dentro, como há tanto não.



vem-me a meninice aos olhos, o corrupio em que os pés sobrevoavam este espaço, tacteando o fresco entre dedos, em que o olhar era a forma de um barco, e as mãos ondulavam o tocar de maresia ao entardecer.



vem-me dentro a salsugem ao abrir a boca para gritar vento.


vem-me a paz dos cânticos longínquos das mulheres que rumam os pequenos barcos na luz amarelada e baça no regresso ao cais.


e tudo me é nítido.






neste lugar que me tem o embrionário ar que aqui não preciso.



e avanço, com os mesmos pés descalços com que aos 5 anos descobri o significado de abrigo, para além do abraço de quem, sempre, desde sempre.



por isso sustenho a respiração, sustenho-me em quem me lembro que sou, para que estale a pele dos dias magoados.







neste abrigo em que em menina me fiz gaivota por abrir o coração, para que entrasse, sem nunca ser morta.


neste respirar em que o mar me devolve a estranha forma de mulher, em que cada decisão me toma na opacidade branca deste silêncio.



neste ventre que me tem o ar, em que é o meu sangue a salsugem, deixo que o mar me solte a pele magoada, recolho o que de mim sei, e posso, por fim, partir e voar.














imagens: desiree dolron, evgeniy shaman, gonalo gaioso
vídeo: patrícia pina

7 de fevereiro de 2008

assim de repente




estendo-me. distendo-me.
exponho-me. recolho-me.


o tempo submerge sem calendário.
sem data de chegada na distante linha da partida (que, pergunto-me, terá algum dia existido?...).
o eco da viagem como o sibilante zumbido da sombra.

a alma partiu no tecido que rasguei.
limito o gesto. imito o som em que da sombra me renasço em corpo e em retorno de onda.

penso livro e no corpo esvoaça a palavra que tatua como um eco.

chamo o vento. reclamo o azul onde o teu fôlego era a minha sede. e deixo quebrar o alicerce da palavra que não direi.

apanho a flor, recolho o gesto, exijo o silêncio ao toque dos dias. emudeço o viveiro de memórias que afixo na parede do olhar.

repreendo a alma que refaço ao encontro de mim.
não sei onde começo mas sei onde terminas.

imobilizo-me como se para uma fotografia que grito em sépia.

estendo-me. distendo-me.
exponho-me. recolho-me.

porque nada em mim se partiu irremediavelmente.

12 de outubro de 2007

arruma-se a vida em sentires desordenados




e fazem-se malas como se fossem mentira.








(imagem: bogdan zvir)