27 de fevereiro de 2007

azul

azul . como o silêncio que antecede o grito. azul.





como num sonho, num sonho muito mau, quando se quer gritar e a voz se silencia. por tantas razões.

azul.
assim.
assim mesmo.

26 de fevereiro de 2007

"Quem nos deu asas para andar de rastos?"




"(...)
Quem nos deu asas para andar de rastos?
Quem nos deu olhos para ver os astros
- Sem nos dar braços para os alcançar?!..."


Florbela Espanca


sim...quem deu a dor para andar na vida?
quem deu ao corpo a impossibilidade do gesto?
quem deu as palavras que não explicam nada?
dói tudo. tanto.
e as costas, principalmente.
e é por quê isto...?...

23 de fevereiro de 2007

dias cheios de números, datas cheias de saudade



(2 agosto 1929 - 23 fevereiro de 1987)

Há assim estes dias cheios de números, estas datas cheias de saudade, em que memoriar é o verbo do sentir. E em que arrepia qualquer apontamento que lembre a morte do Zeca. Por mais que justo, por mais que.

E é tão bom ter crescido assim,
(a saudade a sorrir)
a afinar a ternura nas caixinhas de misteriosa música
(com os dedos atentos a rodar no som antigo)
a comer chocolates, inteiras caixas, inteiras como a partilha
(o quentinho do cheiro que se derrete)
a experimentar as músicas novas - 'o ouvido afinadinho...!' na calmia da concentração
(ecoam vozes, acordes, o som da voz que depois até ficava assim)
a mão que ajudava a descer da oliveira porque a joana, o pedro, o joãozinho, o pedro, o toninho (lembro um pouco menos o zé...) já não tinham idade para essas coisas nem para brincar aos cabeleireiros
(o corrupio, o colo, a saudade, tanta)
as viagens
(o sabor da raia ainda na ponta da desconfiada língua)

- lembro, numa das viagens, Albufeira, creio, sim, estavamos nós num bar de hotel, noite. um pianista convencional, um grupo de estrangeiros. eu, a cantarolar, como sempre. o pianista, a achar graça à andarilha cantante, chamou-me, deu-me o microfone para as mãos, para que ensinasse às pessoas estrangeiras uma música popular portuguesa. a quem o disse... punho erguido, voz ao alto, olhar em frente destemido, 'afinadinha...!' "Grândola Vila Moreeeeeeeennaaaa"... a aflição do pianista, que tão depressa me retirou o microfone como mo entregou. -
(o riso largo e solto do zeca, da mãe, do toni, da zélia, a minha incompreensão e vergonha "-então não era música portuguesa?!!!...)
sim, as viagens, a importância de ajudar o Zeca, depois já tão doente
(e ainda o sentir tanto tudo)
o coliseu, o palco, a fuga do tempo que me levou com o filhote do Júlio a passear no telhado do coliseu (somos filhos dos organizadores disto, se for preciso vamos chamar! - à pergunta controladora dos senhores da segurança)
o dia em que a mãe me foi buscar à escola porque
(a camisola das riscas entrelaçadas azuis e amarelas ainda a fazer-me uma terrível comichão no pescoço)
porque.
e escrevi uma carta ao Zeca, como quem diz até logo ao amigo grande com quem canta e come chocolates ao colo, sem saber já com quem partilhar a gulodice. e a flor vermelha apertada no peito
(a falta do gesto terno da mão sobre a cabeça, o afago que ficou para sempre)

e hoje as lágrimas caíram gratas, comovidas, quando a filhota pediu para adormecer "mãe, canta a música do menino de alva" "qual, amor?..." "a do pedro, a do zeca do menino de oiro do veleiro" e a voz estremeceu antes de ficar 'afinadinha...' ao embalar. e a filhota, a acompanhar "venham comigo venham que eu não vou só..."

é, há dias assim...cheios de números, datas cheias de saudade...
(com o coração cheio de verdade e de amor).








Zeca
por José Mário Branco

Vieste de menino de oiro pela mão
Acordar a madrugada
E fez mais ás vezes uma só canção
Do que muita panfletada
Grandes janelas soubeste abrir
Por onde o ar correu sem te pedir
Que não se cansem de nascer
As fontes onde vais beber

Nunca mais te hás-de calar
Ó Zeca, para nós
Canta sempre sem parar
Que é seiva e flor
A tua voz

Vestiste a capa de caloiro coimbrão
Para ultrapassar o fado
E, em cada natal, teu fruto temporão
Nunca foi ultrapassado
Na distracção jogas á defesa
Com humor disfarças a tristesa
Cantas a esp'rança e o amor
Que o povo te ensinou, de cor

Nem tudo o que reluz é oiro, pois então
E bem gostaria o facho
De te ver calado e manso pela mão
Com medalhas no penacho
Co'a tua ronha felina e sã
Vais-lhe atirando as flechas de amanhã
O olho pisco a acender
E a garganta a acontecer

Nunca mais te hás-de calar
Ó Zeca, para nós
Canta sempre sem parar
Que é seiva e flor
A tua voz

Vieste de menino de oiro pela mão...















...e ainda...
...porque a voz nunca esmorece...e eu chamo as flores...








...um abraço, amigo grande.
e a todos os que.

22 de fevereiro de 2007

fecho os olhos, vermelho fora até ao longe



no vôo sedento em que das asas se quebra o sangue.
se estanca o ar.
da semente que estala por dentro e
rompe em árvore fora.
raíz.
ramo.
sulco.
corpo orvalho.
tronco.
água imensa.

e tudo vermelho ao tingir das mãos...

20 de fevereiro de 2007

musa ensina-me o canto


"Musa

Musa ensina-me o canto
Venerável e antigo
O canto para todos
Por todos entendido

Musa ensina-me o canto
O justo irmão das coisas
Incendiador da noite
E na tarde secreto

Musa ensina-me o canto
Em que eu mesma regresso
Sem demora e sem pressa
Tornada planta ou pedra

Ou tornada parede
Da casa primitiva
Ou tornada o murmúrio
Do mar que a cercava

(Eu me lembro do chão
De madeira lavada
E do seu perfume
Que atravessava)

Musa ensina-me o canto
Onde o mar respira
Coberto de brilhos
Musa ensina-me o canto
Da janela quadrada
E do quarto branco
(...)"
sophia de mello breyner andresen

16 de fevereiro de 2007

a vida dupla. a margem. a queda.

um chamamento.


as mãos vazias. os braços suspensos.
poucas as palavras que se findam com o canto. poucas as que se iniciam também.
nesta margem de voz.









O voi che siete in piccioletta barca,
desiderosi d'ascoltar, seguiti
dietro al mio legno che cantando varca,

tornate a riveder li vostri liti:
non vi mettete in pelago, ché forse,
perdendo me, rimarreste smarriti.

L'acqua ch'io prendo già mai non si corse;
Minerva spira, e conducemi Appollo,
e nove Muse mi dimostran l'Orse.

Voialtri pochi che drizzaste il collo
per tempo al pan de li angeli, del quale
vivesi qui ma non sen vien satollo,

metter potete ben per l'alto sale
vostro navigio, servando mio solco
dinanzi a l'acqua che ritorna equale.


("Paradiso", Canto II, Divina Commedia, Dante Alighieri, 1-15.)




por dentro, fulminante, o sentir da queda, da última queda, a desolação, o desamparo, o silêncio a que se condenam a voz ou as palavras, tanto faz.
por dentro, assim.

12 de fevereiro de 2007

a vida. dupla. a margem. a primeira.

(la double vie de veronique, krsysztof kieslowsky

música, zbibniew preisner)

é esta a música. este, o silêncio.

é este o olhar.

esta, a margem de mim.

o início.

11 de fevereiro de 2007

SIM!




" Em Portugal a interrupção voluntária da gravidez, feita até às 10 semanas, se realizada por vontade da mulher em estabelecimento legalmente autorizado, deixou de ser crime"

(José Sócrates)





Pela dignidade das mulheres.

porque. porque SIM.