31 de março de 2007



"Os silêncios

Não entendo os silêncios
que tu fazes
nem aquilo que espreitas
só comigo

Se escondes a imagem
e a palavra
e adivinhas aquilo
que não digo

Se te calas
eu oiço e eu invento
Se tu foges
eu sei não te persigo

Estendo-te as mãos
dou-te a minha alma
e continuo a querer
ficar contigo"

(Maria Teresa Horta, n 1937, Portugal
in "Só de Amor", Quetzal Editores, 1999)

28 de março de 2007

do fim




"Se tanto me dói que as coisas passem
É porque cada instante em mim foi vivo
Na busca de um bem definitivo
Em que as coisas de Amor se eternizassem"

(sophia)

27 de março de 2007

tu ne peux pas savoir.

Je te rencontre.
Je me souviens de toi.
Qui est tu ?
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
Comment me serais je doutée que cette ville était faite à la taille de l´amour ?
Comment me serais je doutée que tu étais fait à la taille de mon corps même ?
Tu me plais. Quel événement. Tu me plais.
Quelle lenteur tout à coup.
Quelle douceur.
Tu ne peux pas savoir.
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
J´ai le temps.
Je t´en prie.
Dévore-moi.
Déforme-moi jusqu´a la laideur.
Pourquoi pas toi ?
Pourquoi pas toi dans cette ville et dans cette nuit pareille aux autres au point de s´y méprendre ?
Je t´en prie...

Je te rencontre.
Je me souviens de toi.
Cette ville était faite à la taille de l´amour.
Tu étais fait à la taille de mon corps même.
Qui est tu ?
Tu me tues.
J´avais faim. Faim d´infidélités, d´adultères, de mensonges et de mourir.
Depuis toujours.
Je me doutais bien qu´un jour tu me tomberais dessus.
Je t´attendais dans une impatience sans borne, calme.
Dévore-moi. Déforme-moi à ton image afinqu´aucun autre, après toi, ne comprenne plus du tout le pourquoi de tant de désir.
Nous allons rester seuls, mon amour.
La nuit ne va pas finir.
Le jour ne se levera plus sur personne.
Jamais. Jamais plus. Enfin
Tu me tues.
Tu me fais du bien.
Nous pleurerons le jour défunt avec conscience et bonne volonté.
Nous aurons plus rien d´autre à faire que, plus rien que pleurer le jour défunt.
Du temps passera. Du temps seulement.
Et du temps va venir.
Du temps viendra. Où nous ne saurons plus nommer ce qui nous unira. Le nom ne s´en effacera peu à peu de notre mémoire.
Puis, il disparaîtra tout à fait.

(Margueritte Duras, in Hiroshima mon Amour)
(música: Erik Satie)



e tu

nunca

saberás.

26 de março de 2007

Mentiras

...porque há mentiras que dizemos a nós próprios.
e a mais ninguém.

23 de março de 2007

foi num dia assim. hoje lembro o sempre afago de ti.


(natércia campos, 7 julho 1935 - 23 março 2006)

Cada dia é mais evidente que partimos
Sem nenhum possível regresso no que fomos,
Cada dia as horas se despem mais do alimento:
Não há saudades nem terror que baste.

Sophia de Mello Breyner Andresen





(ouço o zeca "...A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome p'ra qualquer fim...")


sim.

num dia assim, exactamente como hoje.

há um ano.

com o sentir no coração quebrado.

natércia.

lembro-me de ti desde sempre.

de te visitar na prisão.

de fazer tartes de amêndoa com a mãe, de vez em quando, para te levarmos.

de não perceber porque tinhas de estar presa.

de te fazer dois desenhos.

de te abraçar.

de perguntar porquê.

de ouvir dizer que era um dia muito importante porque agora na prisão já podiam ter pensos higiénicos.

e arranjar o cabelo.

porque tu, natércia.

querida natércia.

de te deixarem sair condicionalmente para o 25 de abril.

de aprender palavras difíceis.

solidariedade.

de ler as tuas cartas.

de reler, vezes sem conta, as tuas cartas.

lembro-me de crescer assim.

e de vez em quando ía-te ver.


depois saíste.

lembro o jantar da liberdade, no bando, ainda na estrela.

de querer soltar a pomba, com a paula só, e a tonta não querer sair da gaiola...

lembro a importância de te ver, diariamente, durante a expo.

das intermináveis conversas porque tudo é importante. diariamente.

lembro o teu colo, o teu ombro generoso.

lembro o gesto da tua mão sobre a minha barriga e depois na cabeça da minha cria.

os teatros, os passeios, os jantares.


foi contigo que aprendi a palavra solidariedade.

lembro o sempre afago de ti.

em ternura e em verdade.

o

sempre

afago

de ti.



21 de março de 2007

à primavera.





de pequenos
em pequeninos passos.

ainda bem que voltaste.



(caetano veloso, cucurrucucuuuuuuuu paloma, in hable con ella, pedro almodóvar)
(hable con ella, pedro almodóvar, coreografia de pina bausch)

quero lançar um grito desumano







"Como beber dessa bebida amarga
Tragar a dor, engolir a labuta
Mesmo calada a boca, resta o peito
Silêncio na cidade não se escuta
De que me vale ser filho da santa
Melhor seria ser filho da outra
Outra realidade menos morta
Tanta mentira, tanta força bruta

Como é difícil acordar calado
Se na calada da noite eu me dano
Quero lançar um grito desumano
Que é uma maneira de ser escutado
Esse silêncio todo me atordoa
Atordoado eu permaneço atento
Na arquibancada pra a qualquer momento
Ver emergir o monstro da lagoa

De muito gorda a porca já não anda
De muito usada a faca já não corta
Como é difícil, pai, abrir a porta
Essa palavra presa na garganta
Esse pileque homérico no mundo
De que adianta ter boa vontade
Mesmo calado o peito, resta a cuca
Dos bêbados do centro da cidade

Talvez o mundo não seja pequeno
Nem seja a vida um fato consumado
Quero inventar o meu próprio pecado
Quero morrer do meu próprio veneno
Quero perder de vez tua cabeça
Minha cabeça perder teu juízo
Quero cheirar fumaça de óleo diesel
Me embriagar até que alguém me esqueça"





(composição: chico buarque de hollanda, gilberto gil)
(imagem: desiree dolron, sobre vermeer)

20 de março de 2007

imobilidade. ergo os braços. faço-os quebrar.



"(...) Acontece sempre um momento em que aprendemos a calar-nos, talvez porque aprendemos a calar-nos, talvez porque nos tenhamos por fim tornado dignos de ouvir, em que deixamos de agir, porque aprendemos a olhar fixamente algo de imóvel, e essa sabedoria deve ser a dos mortos. (...)"

Marguerite Yourcenar in Fogos

16 de março de 2007

...que renasçam as sementes...



(http://www.acert.pt)


obrigada, carla.

um abraço a todos os que.

14 de março de 2007

"aqui despe-se a chuva"


hoje eu.
assim cheia
de amigos que brincam
feitos de luz
e de orvalho.
que não se parecem com ninguém.
obrigada amigos de mim.
fica aqui um memoriar da noite...
('cheio de cestos silvestres de beijos'...)
"Brincas todos os dias com a luz do Universo.
Subtil visitadora, chegas na flor e na água.
És mais do que a pequena cabeça branca que aperto
como um cacho entre as mão todos os dias.

Com ninguém te pareces desde que eu te amo.
Deixa-me estender-te entre grinaldas amarelas.
Quem escreve o teu nome com letras de fumo entre as estrelas do sul?
Ah, deixa-me lembrar como eras então, quando ainda não existias.

Subitamente o vento uiva e bate à minha janela fechada.
O céu é uma rede coalhada de peixes sombrios.
Aqui vêm soprar todos os ventos, todos.
Aqui despe-se a chuva.

Passam fugindo os pássaros.
O vento. O vento.
Eu só posso lutar contra a força dos homens.
O temporal amontoa folhas escuras
e solta todos os barcos que esta noite amarraram ao céu.

Tu estás aqui. Ah tu não foges.
Tu responder-me-às até ao último grito.
Enrola-te a meu lado como se tivesses medo.
Porém mais que uma vez correu uma sombra estranha pelos teus olhos.

Agora, agora também pequena, trazes-me madressilva,
e tens até os seios perfumados.
Enquanto o vento triste galopa matando borboletas
eu amo-te, e a minha alegria morde a tua boca de ameixa.

O que te haverá doído acostumares-te a mim,
à minha alma selvagem e só, ao meu nome que todos escorraçam.
Vimos arder tantas vezes a estrela d'alva beijando-nos os olhos
e sobre as nossas cabeças destorcem-se os crepúsculos em leques
rodopiantes.

As minhas palavras choveram sobre ti acariciando-te.
Amei desde há que tempo o teu corpo de nácar moreno.
Creio-te mesmo dona do Universo.
Vou trazer-te das montanhas flores alegres, copihues,
avelãs escuras, e cestos silvestres de beijos.

Quero fazer contigo
o que a primavera faz com as cerejeiras."

Pablo Neruda

11 de março de 2007

ausência


imagem: desiree dolron, sobre Vermeer

"Num deserto sem água
Numa noite sem lua
Num país sem nome
Ou numa terra nua
Por maior que seja o desespero
Nenhuma ausência é mais funda do que a tua. "


Sophia de Mello Breyner Andresen

...


..

.

6 de março de 2007

se (a)o mar


(Ritornello - Monteverdi - Orpheu)


"Viagem


O beijo da quilha
na boca da água
me vai trocando entre céu e mar,
a azul de outro azul,
enquanto
na funda transparência
sinto a vertigem
da minha própria origem

e nem sequer já sei
que olhos são os meus
e em que água
se naufraga minha alma

Se chorasse, agora,

o mar inteiro

me entraria pelos olhos"



Mia Couto

...

..

.

3 de março de 2007

à minha mãe


(ilustração: Ana Ventura, col. Jardins na cabeça)


"Poema curto

Nesta luz quase louca
que se prende aos telhados
às árvores aos cabelos das mulheres
aos olhos mais sombrios
falamos de ti do teu alto exemplo
e é com intimidade que o fazemos
falamos de ti como se fosses
a árvore mais luminosa
ou a mulher mais bela mais humana
que passasse por nós com os olhos da vertigem
arrastando toda a luz consigo"

Alexandre O´Neill





para a minha mulher mais bela, de quem falo com os olhos cheios de amor, com os dedos cheios de tinta.

parabéns minha mãe.

minha tão querida mãe.

2 de março de 2007

nada.



imagem: Desiree Dolron, inspirada em Vermeer


"ouviu-se um estalido, talvez no fundo de mim própria: caí com os braços em cruz, arrastada pelo peso do meu coração: não havia nada por detrás do vidro que eu tinha acabado de partir."

Marguerite Yourcenar, in Fogos





Rebeka Del'Rio, llorando in Mulholland Drive, David Lynch

1 de março de 2007

exílio de mim





...tormento
a metade
barco

arco
cais
a metade
arrancada

o vulto

o revés
pedaço

pedaço
pedaço
amputado
de mim
latejada
perdi
metade
de mim

(lava os olhos meus)

mortalha
amor
pedaço

o exílio
de mim...